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08/01 - 21:00 - 22:00 - Radio Cultura Fm

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Gabriel O Pensador


Bom, contrariando dezenas de mat?rias que quase mudaram meu sobrenome para Zontino ou Zantino por causa de um ?nico erro de datilografia numa revista conhecida, eu me chamo Gabriel Contino (pelo menos at? aqui eu n?o tenho nenhuma d?vida). O nome italiano vem da turma do av? do meu pai, um fot?grafo que trocou o sul da It?lia pelo do Brasil no finzinho do s?culo XIX (ou comecinho do XX) e acabou se casando com duas ga?chas e fazendo seis filhos com cada, ao que tudo indica com uma de cada vez. O primeiro do seu segundo casamento veio ao mundo em Alegrete em 1911 e trocou o Rio Grande do Sul pelo De Janeiro logo ap?s ter perdido a mulher, com quem tivera dois filhos em Porto Alegre, para uma terr?vel doen?a chamada leptospirose. O mais novo destes dois, Miguel, tinha s? um aninho e ficou com uma tia at? os cinco, quando veio finalmente morar com o pai e sua nova companheira em Copacabana. Cresceu, passou para medicina na Universidade do Estado da Guanabara (hoje UERJ) e um dia conheceu uma linda menina tijucana chamada Belisa.

A garota era a mais velha dos tr?s filhos do casal de cariocas Eneida e Affonso - uma bela e inteligente professora de escola p?blica e um mulat?o atl?tico de quase dois metros que era policial do Ex?rcito, sem por isso deixar de ser poeta e sambista e tocar (at? hoje) viola, pandeiro e piano.

O ritmo do Affons?o pode ter vindo no sangue negro da fam?lia de sua m?e, mas a veia po?tica - se ? que a poesia pode ser heredit?ria - foi heran?a do seu pai pernambucano, que quando era vivo escrevia e recitava poemas de amor para a futura av? da Belisa, em Niter?i, no estado do Rio, ou melhor, da Guanabara.

Eneida, por sua vez, trazia nos genes uma certa mistura portuguesa e espanhola, com mais uma dose de sangue ga?cho, j? que sua m?e tinha vindo de um lugarzinho chamado Santo Ant?nio da Patrulha pra viver com um tenente carioca, mesmo sem o consentimento dos seus velhos, que se recusaram a assistir ao casamento... Que rolo! Se isso era pra ser um resumo, imagina eu contando a est?ria completa! Mas se n?o fossem todos esses detalhes aparentemente insignificantes este texto n?o estaria aqui, nem voc?, e eu ent?o muito menos.

O namoro entre Miguel e Belisa, isso, o namoro! Bem, corria tranquilo e calmo at? que uma cartela de p?lulas anti-concepcionais (ainda uma novidade na ?poca) foi descoberta pelos pais da mo?a em sua bolsa e quase arruinou o romance. Rolou um estresse na fam?lia, separam o casal por um tempo, mas Miguel conseguiu sobreviver ? ira do Affons?o e da dona Eneida e fez quest?o da m?o da gata em matrim?nio. Um ano depois os dois se casaram " e viveram felizes para sempre". Mas, talvez traumatizados pela confus?o causada pelas p?lulas, eles optaram pela camisa-de-v?nus como modo de evitar uma gravidez. Num belo dia foram fazer um passeio de carro at? a praia de Jacon?, no caminho de Saquarema, e l? mesmo no banco traseiro do Fusca de cor preta e placa EA-9845, come?aram a fazer amor, ou sexo, para ser mais expl?cito. A tarde estava bonita e tentadora e os dois n?o tinham levado camisinha, s? daquela vez.

Cinco meses depois, com 19 anos de idade e cinco meses de gesta??o, a estudante Belisa foi internada com a bolsa d'?gua estourada e uma gravidez de alto risco, no mesmo hospital onde o marido rec?m formado fazia resid?ncia m?dica para se especializar em oftalmologia. Enquanto os m?dicos diziam sem cerim?nia que o beb? poderia nascer cego ou surdo, se sa?sse com vida, a jovem ficou l? de molho esperando, at? que numa Quarta-feira de Cinzas, de madrugada, em quatro de mar?o de 1974, o beb? n?o aguentou mais a demora e, talvez n?o exatamente por pressa, mas por algum desses motivos que s? os fetos de sete meses e meio conseguem entender, resolveu dar o ar de sua gra?a. E por falar em gra?a, seria batizado como Pablo se a m?e n?o tivesse gostado tanto do livro Cem Anos de Solid?o, do colombiano Gabriel Garc?a Marquez, lido durante a interna??o de 42 dias.

Na noite do parto inesperado, o obstetra respons?vel n?o estava de plant?o e quem teve que assumir foi um jovem obstetra residente, que gra?as a Deus foi feliz no que deve ter sido o primeiro parto daquele tipo da sua carreira. Mas o drama ainda n?o terminava ali no nascimento, pois o menino de dois quilos e cem gramas nasceu com uma s?rie de problemas e teve que ir direto pra CTI neo-natal. Pra voc? ter uma id?ia, existe uma pontua??o que os m?dicos d?o aos beb?s conforme as suas caracter?sticas logo ap?s o parto: o APGAR, que avalia as condi??es de apar?ncia, peso, respira??o e etc. A nota do Gabrielzinho, numa escala de zero a dez, foi dois.

Pra encurtar um pouquinho esta est?ria, foram duas semanas na incubadora com aparelhos respirat?rios e tudo a que tinha direito, sem visitas al?m das do pai e da m?e, que demorou uns longos dias at? poder pegar o filho no colo pela primeira vez, rapidamente, ainda na CTI. O menino apresentava uns preocupantes tremeliques, mexendo involuntariamente os bra?os em estranhos impulsos que pareciam o movimento de um abra?o no vazio. Suspeitavam de um tumor no c?rebro, ou edema, e chamaram uma equipe do renomado Hospital Jesus, especializada em prematuros com problemas neurol?gicos, que trouxe sua parafern?lia usada em testes com esses beb?s, incluindo uma corda, onde Gabriel ficaria pendurado para ver se tinha for?a e reflexo suficientes nas m?os, como uma crian?a normal. Tinha. Quando conseguiu se pendurar, todos aplaudiram na sala - Belisa, Miguel e seus colegas, da oftalmologia e de todo o Hospital Pedro Ernesto (em Vila Isabel), que tinham se juntado pra assistir ao desafio e torcer. Por?m, a jovem m?e de 19 anos ainda estava preocupada com a previs?o sinistra dos m?dicos sobre o futuro do garoto: "ou vai morrer ou vai ficar com graves dist?rbios mentais".

Bom, dos males o menor! Pelo menos o coitado n?o morreu! Quanto ? mente perturbada fica a d?vida no ar, que permanece at? hoje e talvez para sempre. Mas o fato ? que ele resistiu, e sua m?e notando isto resolveu resgat?-lo de l?, mesmo contra a vontade de um dos m?dicos, que acabou consentindo em dar alta, com a condi??o de que os pais assinassem um termo de responsabilidade. Assinaram e se responsabilizaram, o levando pra continuar o tratamento l? na casa da Dona Eneida, onde o garoto desfrutou seu primeiro m?s de liberdade. Ainda fazia aqueles movimentos malucos com os bra?os, e a ?ltima coisa que os m?dicos tinham achado sobre tal "tique" nervoso ? que poderia ser fruto de uma car?ncia de magn?sio no sangue. Conseguiram ent?o umas ampolas de sulfato de magn?sio, que vieram de S?o Paulo, e cuja inje??o o pr?prio Miguel tinha que lhe aplicar diariamente, com a m?o querendo tremer e suando, n?o tanto pelo tamanho da agulha, mas pelo do seu fr?gil bebezinho - seu peso tinha ca?do pra dois quilos depois de nascer e era conferido diariamente numa balan?a no quarto onde dormia, e a cada grama que engordava a casa inteira vibrava em comemora??o.

Gabrielzinho melhorou daquele tro?o, mas pintou uma h?rnia que o obrigou a encarar uma cirurgia no terceiro m?s de vida. Tranquilo, sem neurose. Encarou aquilo numa boa, o moleque. Depois foi crescendo e Miguel e Belisa se divorciaram quando ele tinha seis meses de idade. Ficou morando com ela e contando com a ajuda da Dona Eneida e de seus filhos Affonsinho e Beatriz, que agora viam a irm? trocar o emprego de balconista que tinha numa loja por uma vaga modesta de estagi?ria no Jornal do Brasil. Ganhando menos, mas pra fazer o que queria.

Engatinhou, balbuciou suas primeiras palavras, e cada gesto simples desses era um al?vio pra toda a fam?lia, assim como deve estar sendo pra voc? que est? lendo isso e n?o aguenta mais esse monte de descri??es m?dicas, qu?micas, f?sicas e psicol?gicas. Anda logo Gabriel! Gabriel andou. E passou por v?rios bairros com as mudan?as de Belisa, quando ela j? podia bancar o seu pr?prio aluguel e se mudou, e mais tarde se casou e se mudou mais umas vezes? Mas a vov? estava (e est?) sempre sediada na Tijuca, no mesmo endere?o onde Belisa crescera, na Rua Carvalho Alvim. Outro ponto fixo de refer?ncia que surgiu um pouco depois, e que seria na verdade um interessante contraponto para a sua vida meio n?made com a m?e, o irm?o Tiago e os diferentes padastros que viriam com o tempo, foi o apartamento onde o pai fixou-se em Copacabana com a segunda esposa. Aquele pequeno lar n?o era nem um pouco careta, no sentido ruim da palavra, mas servia como um retrato de uma fam?lia mais t?pica e f?cil de entender: O pai, a madrasta, os dois irm?os que pintaram (Joana e o ca?ula Fernando), o mesmo apartamento, a mesma mesa de jantar, os mesmos passeios, os mesmos amigos do pai, as mesmas divers?es, as mesmas implic?ncias da madrasta, que talvez fossem interpretadas assim por Gabriel mais pelo ci?me que ele tinha do pai do que pela "chatice" da mulher em obrig?-lo a arrumar a cama quando ia dormir l? com eles nos fins de semana - um sim, outro n?o e em outros talvez. Aquela rotina que duraria cerca de vinte anos no mesmo lugar e com as mesmas qualidades e defeitos acabou sendo muito importante na inf?ncia, na adolesc?ncia e at? na juventude do garoto, que mudou de escola v?rias vezes e de casa e de padrasto muitas outras.

Esse neg?cio de dividir a m?e com os padrastos era mil vezes mais complicado do que a rela??o com a esposa do pai, n?o s? por sentir muito mais ci?mes da m?e, naturalmente, mas tamb?m porque ela trabalhava demais (enquanto o pai ele sempre encontrava nos dias de folga), e ainda por cima havia o irm?o, que tinha chegado quase quatro anos depois dele pra aumentar mais ainda o ci?me. Irm?o 24hs era s? o materno, e por isso foi com este irm?o que Gabriel brigou muito enquanto eram crian?as, coisa que come?ou ainda na ?poca da Rua Uruguai, quando a m?e ficou alguns anos morando com o jornalista Tarc?sio Baltar, o pai do Tiago, o que certamente deve ter gerado o questionamento infantil do tipo "por que o pai dele mora aqui e n?o o meu?". E tome briga com o irm?o, reclama??o e castigo.

At? a? tudo bem, pois Gabriel era muito pirralho e hoje nem se lembra direito dos detalhes, mas houve uma fase mais dif?cil, quando tinha uns dez ou onze anos e realmente sofreu com as confus?es que via rolarem entre a m?e e um outro marido, em um outro lar em outro bairro. Nessa altura ele j? tinha feito at? terapia infantil com uma psicanalista, mas foi na escola Senador Correia que come?ou a exercitar sua rebeldia pra curar ou esquecer esses conflitos. Ficou um ano no col?gio, que era muito liberal, cheio de filhos de artistas e de alunos que virariam artistas no futuro. Como em quase todo col?gio, tamb?m havia a turminha aprendiz de "marginal". Entre as aulas de artes e as artes que a pequena e atuante "banda podre" do col?gio o ensinava, foi ali que Gabriel aprendeu algumas coisas erradas, mas tamb?m se interessou pela m?sica. Chegou a fazer umas cinco musiquinhas de rock, com letra e melodia (apesar de n?o tocar nenhum instrumento), e uma delas foi inspirada no epis?dio do flagrante nas Lojas Americanas, onde tinha sido pego por um seguran?a furtando uma caixa de giz de cera durante o hor?rio de recreio - ? que todos os alunos podiam sair da escola e comer p?o de queijo na padaria da pra?a, ou fazer o que bem entendessem. Este epis?dio que virou m?sica entrou para a hist?ria do Senador Correia, pois a loja quis explica??es do diretor da escola, que n?o gostou nem um pouco da gracinha e resolveu tornar as regras um pouco menos liberais pra todo mundo: a partir do dia seguinte, quem quisesse colocar os p?s na rua na hora do recreio deveria trazer a autoriza??o por escrito dos pais. E tudo isso foi por culpa do "Pixote" (ningu?m o chamava de Gabriel), que depois de dois dias suspenso teve medo de ser levemente linchado pelos colegas, puni??o extra que felizmente n?o sofreu.

No ano seguinte sua m?e o mandou para o Andrews, uma escola mais r?gida e tradicional, onde o garoto ficaria at? o fim da oitava s?rie incrivelmente sempre entre os primeiros da classe, apesar de uma dose de bagun?a inevit?vel, mas j? sem roubar (nem matar, estuprar ou qualquer coisa parecida, muito menos na hora do recreio). A verdade ? que a mudan?a de col?gio coincidiu com sua ida para S?o Conrado, j? aos doze, onde p?de trocar a divers?o de pichar muros pelo rabiscar das ondas e das rodas do skate, e rapidamente deixou de ser "Pixote" para virar o "Pequeno". Ele tinha come?ado a pegar onda um pouco antes, quando ainda morava na Lagoa, mas foi mesmo no chamado Cant?o ali da praia, ao conhecer e fazer amizade com a galera da favela da Rocinha, que acabou ficando muito mais viciado.

Por favor, n?o confundam as coisas nem entendam errado: quando eu digo "viciado" ? pura e somente viciado no esporte, e n?o em outras coisas que o preconceito nos ajuda a associar automaticamente ? palavra "favela". Talvez se tivesse continuado com alguns pequenos delinquentes de classe m?dia, que eram os seus amigos mais ?ntimos de poucos meses antes, poderia a? sim passar por problemas com drogas junto com eles; o que tamb?m n?o quer dizer que na turminha da Rocinha n?o existisse nenhum coleguinha de praia que fosse mais tarde se tornar viciado, ou at? em alguns casos, traficantes e defuntos precoces. Mas o que importa ? que aconteceu e n?o o que podia ter acontecido com o Pequeno, e o que aconteceu foi coisa boa. Ele se juntou com a galera que s? queria saber de surfar no canto da praia, andar de skate no half-pipe do morro, andar de bicicleta no asfalto do Pepino, jogar "bobinho" no condom?nio e v?deo-game Atari em sua casa, onde morava com a m?e, o irm?o Tiago e o novo padrasto.

Esse era um ator da TV Globo, muito famoso, assim como a Belisa, que nesta altura j? tinha apresentado os principais telejornais da emissora e conduzia seus pr?prios programas na TV Bandeirantes. Gabriel morou ali at? os quinze, e a enorme variedade de ambientes e de pessoas que conheceu nessa fase ajudou a definir sua personalidade e a sua postura diante da vida. Vida que era vista e vivida como uma estrada imprevis?vel, cheia de entradas e sa?das abertas, desvios, mudan?as, avan?os, retornos, atalhos, acidentes?; rua clara, beco escuro, t?nel e ponte, onde n?o se anda em c?rculos e at? o ch?o parece estar se movendo em sil?ncio. No caminho de sua vida passavam os rebeldes ou pacatos colegas do mundo da classe m?dia - com seus largos horizontes projetados nas paredes internas dos muros, os muros protetores e certinhos que os deixavam com vontade de pul?-los ou quebr?-los de uma vez - ?s vezes reprimidos e cheios de conflitos, confusos com a imprecisa descoberta de uma estranha e constrangedora "obriga??o" de ser feliz (como os companheiros de escola ou das inesquec?veis idas ? Col?nia de F?rias de Miguel Pereira, onde rolava muito esporte, brincadeira e "azara??o", com direito a choradeira emocionada no final); e passavam nesse caminho de sua vida a impetuosidade irreverente da fala em voz alta do morro e a pureza e a esperteza malandra dos seus gestos, modestos e ao mesmo tempo imponentes, nas bocas sorridentes de quem sente que precisa usar os dentes e usa, mordendo, mastigando e engolindo as frustra??es e escondendo um sonho ou dois que ainda resistem de forma gostosa debaixo da parte mais doce da l?ngua (como a garotada e marmanjada da Rocinha e tamb?m dos barracos ou casebres constru?dos na encosta do condom?nio, sendo um deles o do melhor amigo "Janj?o", que ganhou o apelido por fazer dupla com o Pequeno, feito os insepar?veis Janj?o e Pequeno do desenho animado); e tamb?m passou nesse peda?o da estrada da vida de Gabriel um interessant?ssimo elenco de amigos da m?e e do padrasto, famosos ou n?o, de todos os tipos, contrastando e se igualando com a turminha de amigos an?nimos e igualmente interessantes do pai e da madrasta em Copacabana. Na mesma estrada onde passava, por outro lado e no mesmo sentido, sua pr?pria fam?lia materna com seu jeito mais simples e conservador de fam?lia tijucana.

Gabriel, mesmo sem se dar conta, ficava observando as diferen?as e principalmente as semelhan?as entre aquelas v?rias esp?cies de figuras, assim como deve ter percebido, quase inconscientemente, as rela??es poss?veis e imposs?veis entre um baile funk adolescente numa garagem de ?nibus com a presen?a do tr?fico e uma excurs?o de teenagers brasileiros ao mundo de Disney com a presen?a do Mickey.

No meio disso tudo, no fundo da cena, havia sempre alguma trilha sonora. A m?sica estava sempre no ar, na vitrola ou no r?dio, no carro ou no quarto, na festinha no playground de algu?m ou num pagode improvisado num quintal. Talvez em fun??o da j? citada variedade de ambientes e personagens que fazem parte dessa est?ria, seu acompanhamento musical era quase t?o variado quanto podia ser num pa?s com tantos gostos diferentes como o nosso. E isso ? gostoso lembrar, porque a m?sica dura mais na nossa mem?ria do que as cenas embaladas por ela. E as ra?zes do som permanecem fincadas pra sempre em qualquer cora??o que um dia bateu no seu ritmo.

Na inf?ncia, misturava samba-enredo com MPB e outras coisas tocadas os cantadas pelos pais de brincadeira, mas nada que se destacasse e o marcasse realmente, at? um pouco mais tarde, quando aconteceu o sucesso fenomenal de Michael Jackson com o Thriller, para o fasc?nio de crian?as do mundo todo, como se fosse um Harry Potter da ?poca ou algo parecido. A febre tomou conta do pr?dio onde morava o Pixote, no Humait?, e dos outros pr?dios em volta, onde os garotos come?aram a se juntar para fazer passos de dan?a e dali a pouco estavam todos rodando de costas no ch?o. Era a descoberta do break, a dan?a inovadora da cultura hip hop, que ningu?m sabia ainda o que era, mas j? dava pra notar que era "chocante". Foi o tempo de ir ao cinema assistir ao Beat Street - na onda do break algumas vezes, e depois pegar no v?deo pra ver outra vez. Um mundo totalmente novo era mostrado e saboreado, n?o s? em suas express?es corporais e vocais ou musicais, mas nos muros! Justamente quando o "Pixote" surgia pra sei l? porque raz?o idiota sujar os muros e ?nibus com suas picha??es, esse filme divulgava a arte proibida dos grafites coloridos nas paredes e nos trens de Nova York. N?o h? como negar que isso foi mais um fator de atra??o do moleque ao que hoje todos chamam de cultura hip hop - mas diga-se de passagem: picha??o ? uma coisa (lament?vel), j? a arte do grafite ? uma outra totalmente diferente.

E nas rodas de break ?s vezes pintava um som novo. Gabriel n?o conseguia rodar de cabe?a pra baixo e nem fazer o "moinho de vento", que eram passos dif?ceis, e na verdade n?o se empenhou muito neste sentido. Preferia tentar traduzir algumas letras das m?sicas do filme, e tamb?m de outras obras como Breakdance, Breakdance Special e o que mais aparecesse, aproveitando pra tentar executar uns "scratches", mexendo escondido no prato girat?rio da vitrolinha indefesa da m?e. Conhecia ent?o o rap, a m?sica falada e rimada em cima das bases com batidas eletr?nicas, nas vozes de
Grandmaster Flash, Kurtis Blow, Doug E Fresh, e at? do iniciante Ice-T, e j? curtia entender o que os caras cantavam e a estrutura das rimas, mas n?o sabia o nome de ningu?m nem tinha um rapper preferido. Depois andou ouvindo muito o chamado funk dos bailes cariocas da ?poca, que era bem melhor do que o que ? feito hoje, no que se refere ? qualidade da produ??o musical, e a maioria das m?sicas era americana mesmo, ou vers?es em portugu?s em cima das bases instrumentais originais. A fonte no fundo era mais ou menos a mesma, a nova m?sica negra americana, a batida eletr?nica do hip hop, mas de uma vertente espec?fica, conhecida mais na frente por aqui como Miami Bass. Quando saiu de Humait? para morar na Lagoa, Gabriel n?o tinha mais amigos envolvidos com o break ou o rap. E continuou ouvindo tudo que ouvia desde antes, e que n?o tinha deixado de curtir s? por causa de sua admira??o pelo som do Beat Street e etc.

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